(Esse texto não é de minha autoria, mas acho interessante sua reflexão. Leiam!)
Optar por
isto ou aquilo faz parte da nossa rotina. Saber conviver com essas decisões
pode ser libertador. Confira a reflexão!
Como escolher entre dois
conjuntos de valores tão importantes?
"OK, então vamos esperar por
sua escolha até amanhã de manhã. Pense bem antes de decidir."
A frase soou como uma ameaça. Eu
tinha que decidir e não podia negar essa responsabilidade, já que corria o
risco de perder tudo. Mas a escolha não era simples, pois, no fundo eu queria
os dois. Um representava a liberdade, a aventura, a alegria de viver. O outro
significava a sabedoria, o conhecimento, o futuro. Como escolher entre
dois conjuntos de valores tão importantes? Como optar por um e abrir mão do
outro que eu também queria tanto? Por que o destino estava fazendo isso comigo?
Ó mundo cruel...
Mas não teve jeito, pois eu sabia
que, se demorasse para decidir, ou não mostrasse firmeza em minha conclusão,
não seria considerado maduro o suficiente para merecer nenhum dos dois.
Acabaria tendo que me contentar com algum prêmio de consolação, e isso seria a
pior coisa que poderia me acontecer naquela fase da vida. Então, armado de uma
convicção artificial, comuniquei minha decisão:
- Então está bem, fico com a
bicicleta! - e abri mão da enciclopédia.
Estávamos em véspera de Natal e
eu tinha 11 anos. O que aconteceu naquela oportunidade foi uma espécie de
iniciação à vida, que nada mais é que uma sucessão de escolhas. Parece que a
única escolha que não fizemos foi a de nascer, porque daí para a frente,
passada a primeira infância, começa nossa preparação para sermos responsáveis.
Tem início o desenvolvimento de algo chamado "consciência", que, em
última análise, é a autonomia para cuidar do destino, escolhendo os caminhos da
vida. Amadurecer, descobri, é assumir a responsabilidade por suas escolhas.
Eu queria muito aquela bicicleta.
Qual é o garoto que não quer? Desejava sair por aí, com os colegas ou mesmo
sozinho, deslocando-me com rapidez, sentindo o vento, conhecendo outros bairros
da cidade. Mas também estava de olho na tal enciclopédia, que, para mim, era
uma espécie de passaporte para o conhecimento. Com a bicicleta, poderia passear
pela cidade - pensava -, e com a enciclopédia, poderia viajar pelo mundo.
Prevaleceu a liberdade do vento,
não a das letras, como seria de esperar de alguém que mal encerrava a primeira
década de vida. E aquela bicicleta me deu muita alegria, acredite. Nunca me
arrependi da escolha, até porque mais tarde, em outro Natal, a enciclopédia
veio, ainda que não tenha vindo o aparelho de som - outra escolha/troca.
A tirania do"ou"
Um dos personagens mais
explorados pela literatura alemã é o de um homem que fez uma escolha perigosa:
Fausto. Ele foi inspirado em uma pessoa real, o médico Johannes Georg Faust,
que viveu entre 1480 e 1540 e que era também estudioso de alquimia e magia.
Sempre insatisfeito com o conhecimento disponível, ansioso por saber mais,
acabou por dar origem a Fausto, que teve inúmeras interpretações na literatura
germânica, sendo que a que predomina é a do mais importante escritor alemão,
Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832).
A primeira parte da versão de
Goethe foi publicada em 1806 e conta que Fausto, querendo superar os
conhecimentos disponíveis na época, ambicioso pelo saber, acabou fazendo um
pacto com um demônio, Mefistófeles. Durante 24 anos ele não envelheceria,
experimentaria todos os prazeres e teria acesso a conhecimentos novos. Tudo
isso em troca de sua alma, que passaria a ser posse do maléfico pela
eternidade.
Fausto aceita, pois seu desejo de saber é superior a tudo. O que ele não
contava é que se apaixonaria por Margarida e, ao se ver perto de seu prazo,
vê-se também obrigado a abandoná-la. O mito fáustico, em todas as versões, joga
com a ideia da perda como subproduto da escolha. E essa perda pode ser
desesperante, como no caso do personagem, ou pode ser, em sua versão mais
humana, no mínimo, a causa de grandes ansiedades.
A ansiedade é, sim, um dos males
da modernidade. Não há pessoa que não relate que é acometida, eventualmente,
por uma "crise de ansiedade", caracterizada pela sensação de dúvida,
incerteza, desconforto. A pessoa ansiosa gostaria de não estar onde está, ou
pelo menos gostaria de não estar vivendo a situação que lhe causa ansiedade -
mas, por outro lado, sabe que não tem como evitar. Todos somos ansiosos, em
graus maiores ou menores.
E a causa mais comum de geração
de ansiedade atualmente é, como vimos, a necessidade de fazermos escolhas. Sim,
pois a cada escolha você tem que sofrer com as renúncias que ela acarreta. Essa
é a tragédia da escolha. O imperativo do "ou". Ou isto ou aquilo, os
dois não dá, explica a vida - e a gente aceita com resignação.
Escolher é trocar
A língua inglesa tem uma
expressão que define bem a ansiedade da escolha: trade-off. Sem tradução
literal, trade-off significa escolha, mas também quer dizer troca. Em síntese,
escolher significa trocar uma coisa por outra. Ao escolher a bicicleta, abri
mão da enciclopédia. Foi uma troca e, convenhamos, a melhor que podia ter feito
naquela ocasião. No ano seguinte, troquei um aparelho de som novinho pela
coleção de livros que esperei por um ano. E por aí vai.
Trade-off é uma expressão muito
usada nas empresas, e faz parte do planejamento estratégico. Os empresários e
executivos sabem que sempre há um preço a pagar. Por resultados, terão que
fazer investimentos. Se buscarem inovação, terão que admitir alguns erros. Se
optarem por economizar, terão que reduzir os investimentos. Na economia do
país, se a opção for pelo controle da inflação, sabe-se que a taxa de
crescimento será menor. "Não há almoço grátis", dizem os economistas.
Trata-se de um postulado da economia que lança mão da obviedade que não dá
para, ao mesmo tempo, comer a refeição e ficar com o dinheiro.
Um dos melhores exemplos de
trade-off estratégico é encontrado não na economia, mas no jogo de xadrez - e,
nesse caso, pode receber o nome de gambito, que não é, portanto, apenas o
codinome das pernas finas.
Nesse jogo, gambito é o
sacrifício de uma peça em troca de alguma vantagem, que pode ser outra peça ou
espaço, desguarnecimento do adversário, linhas diagonais ou simplesmente tempo.
O outro jogador pode aceitar ou refutar a oferta, pois sabe que há uma intenção
por trás, uma espécie de jogada oculta. O Gambito do Rei é uma jogada em que o
jogador de peças brancas oferece um peão logo no início do jogo e,
aparentemente, desprotege o rei, mas, na prática, obtém uma liberdade de ações
bem maior a partir disso, ganhando o domínio que vem da iniciativa. Tanto essa
jogada quanto o Gambito da Dama são estratégias de quem sabe jogar e não de
iniciantes sem técnica nem equilíbrio emocional.
Na vida também é assim, mas é
claro que há variações importantes. Todos os dias fazemos escolhas soft, cujos
enganos não provocarão maiores consequências. Se você errar no prato no
restaurante ou no filme na locadora, ou se escolher uma roupa leve num dia em
que faz frio, tudo bem, a encrenca não é tão grande assim. O complicado é errar
nas escolhas hard, como a profissão, os investimentos ou a pessoa com quem se
casar e compartilhar a vida. Felizmente, fazemos mais escolhas soft do que hard
neste passeio pela vida.
A possibilidade do "e"
Mas nem tudo está perdido. Disse
Einstein que nós não podemos resolver um problema usando o mesmo estado mental
que o criou. É necessário buscar novas possibilidades, aceitar a existência de
caminhos não vistos no primeiro olhar. E, nessa busca, sempre podemos contar
com a possibilidade do "e" em vez do "ou". A inclusão como
alternativa à exclusão.
Nem sempre dá, mas não podemos
descartar essa possibilidade, e até contar com ela. Aliás, há situações em que
essa é a única saída. Voltando a falar dos economistas e dos pensadores no
futuro da sociedade humana, há um tema que gera muita polêmica. Trata-se da
disputa entre crescimento da economia e a sustentabilidade do planeta.
Os que pregam o crescimento
econômico são acusados pelos ambientalistas de não se preocuparem com a
sustentabilidade do planeta, e estes são chamados por aqueles de patrocinadores
do atraso. Durma-se com um barulho desses. Felizmente existem cérebros
atuantes, cientistas, estadistas, pensadores que afirmam ser possível promover
desenvolvimento protegendo a natureza. Desenvolvimento com sustentabilidade.
Geração de riqueza e preservação do meio ambiente.
Para isso, claro, temos que falar
de coisas novas, como reflorestamento, reciclagem, eficiência, novos materiais,
pesquisa pura e aplicada, consumo consciente. Novos modelos mentais. Como se
vê, fazer a opção pelo "e" requer investimento, tempo e inteligência.
É mais fácil escolher um, ignorar o outro e tentar dormir tranquilo.
A inclusão é a solução ideal,
quando possível. Senão, é necessário escolher e arcar com todas as
consequências que fazem parte do pacote. O direito de escolher é atributo do
mundo livre, o que é muito bom, claro. Nos países totalitários, em que
ditadores comandam tudo com mão de ferro, a população não tem que fazer muitas
escolhas, porque o estado faz por elas.
Viver com liberdade aumenta a
responsabilidade e a ansiedade, mas viver sem ela aumenta o sentimento de
impotência e o resultado pode ser a tristeza e a depressão. Sinceramente, se
esse é o preço, fico com a ansiedade. E viva a liberdade de escolha.
* Eugenio Mussak não se arrepende
de ter optado pela bicicleta e não pela enciclopédia
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