segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Presente de Natal.


(De minha autoria, em plenos tempos de falsidade, desilusão de uma alma com sonhos)

Sentia-se afobação, sem ar. Ou melhor, com dificuldade de respirar, parecendo como se algo atrapalhasse. Abriu os olhos. Arderam. Viu, em pouca distância, a superfície da água. Refletia-se verde, devia ser fim de tarde, pensou (ainda pensou?). Tentou alcançar a superfície: fazia forças circulares com as pernas, com os braços, mas parecia não chegar ao topo. Aquilo foi incomodando a cada instante, despesperando, e a água fazia uma pressão contrária.
Um puxão forte de ar. Abriu os olhos. Era apenas mais um sonho e/ou pesadelo, depende do contexto. Virou seu corpo de frente ao teto, e tentou enxergar algo naquela escuridão. Levantou, e puxava o ar como se sugasse, devia ser uma certeza de vida, de não ter mais obstáculos. Decidiu ver que horas eram no seu celular. Quatro e meia da manhã, bufou. Foi ver correspondências, e-mails. Nada. Estava só, e era Natal.
Olhou pela janela de sua sacada. Ouvia vozes, risadas, a cidade iluminada pelo tempo festivo. Não que não tivesse com quem comemora tal tempo, mas eram familiares distantes, aqueles que se veem apenas em tempo de fim de ano.
Acende um cigarro, inala aquela fumaça com tanta força, em intenção de engasgar suponho. Não engasgou, que pena.
Que patifaria esses tempos! Pensava. Quantas risadas, quantas conversas, quantos abraços sem significados! Único período do ano que lembramos dos outros, que lembramos dos presentes...E ano-novo? Outra patifaria achando que será diferente, que tudo será renovago, e é a mesma babaquice.
Apagou o cigarro. Olhou ao relógio perto da cabiceira, cinco e vinte, quase de manhã. Decidiu sair.
Estava ventando, mas nada de temer um tempo de condições frias. Levava junto uma mochila, pesada, e fumava, dando tragadas cada vez mais longas.
Enfim parou, como se tivesse acordado de um momento sonâmbulo: encontrava-se na porta de um hospital. Jogou o toco do cigarro fora, abriu uma garrafinha contendo whisky barato, bebeu um pouco e entrou.
Estava tranquilo dessa vez, pessoas pareciam calmas por ali, e já se via alguns jovens sendo atendidos por culpa de bebedeiras, acidentes etc; foi em direção à recepcionista:
- Olá.
- Oi, em que posso ajudar?
- Sei que é madrugada, e o horário de visitas não é definitivamente agora, mas gostaria de ver uma criança, da ala de queimaduras, ou de quimioterapia, tanto faz.
A recepcionista, que até então não levantara os olhos, levantou, de forma desconfiada:
- Qualquer criança, como assim?
- Qualquer. Lhe suplico.
Quando já ia dizer não, aparece um doutor que encosta no ombro dela, e diz:
- Por favor, querida, deixa-o entrar, ele é voluntário!
- Ok, que fique em sua responsabilidade então!
Seguiram os dois pelo hall, em direção a quimioterapia. Segundo o Dr. A - assim nomeio - havia três crianças acordadas naquela hora.
- Achei que não viesse - o doutor quebrou o silêncio durante a caminhada - Olha, o que houve entre nós... por favor, guarde as recordações boas, você sabe o tanto que foi especial para mim.
- Ok, doutor, tá tranquilo! Eu não suporto esta data, e só tem uma coisa que ainda me mantêm fiel à alguma coisa é isto. Sobre nós, te entendo. Você encontro um novo amor, isso acontece. O mundo é grande demais para sermos de uma coisa só, um lugar só, uma pessoa só. Vou ao banheiro. Verifica se as crianças estão acordadas.
Bateu em seu ombro. O Dr. A fora verificar. Enquanto o outro tomara diferente rumo. Passara nem muito tempo, estava de volta, vestia-se uma camisola grande cor salmão, tênis branco, e um chapéu vermelho de Papai Noel. Possuia ainda uma caixa na mão.
Ao entrar na sala, havia mesmo três crianças acordadas, em apenas uma ala, conforme dissera o Doutor. Este saía no recinto, desejou boa sorte ao nosso personagem, fechou a porta, e sumiu, atravessando o corredor.
- Bom dia à vocês.
- Está ainda escuro! disse a criança número 1
- Sim, mas logo aparece o Sol, não falta muito, apenas uma hora, por aí. Sabe quem sou?
- Não! Disse e criança 3.
- Quem é você? Exclama criança 2.
- Sou um sujeito sem rumo na vida, diria. Tenho 32 anos, trabalho com Direção de Vídeos. Sou de Áries, ascendente em Peixes. Sou homossexual, solteiro, porque perdi meu namorado para alguém que ele mal conhece, odeio o Natal e sua farsa de que tudo está bem, porém nesse mesmo dia em todo ano, eu tenho uma missão.
- Qual? Exclamaram as três crianças, já assustadas com o indivíduo.
Faço companhia a crianças, como vocês. Alías, adolescentes, parecem terem mais de seus 13 anos - todas sacudiram a cabeça positivamente - Continuando: gosto de contar histórias, gosto de relatar sobre coisas, momentos, nada sobre contos de fadas. Se puderem me dar a atenção, começo agora.
Se entreolharam desconfiadas, e fizeram que sim com a cabeça.
Ele abriu uma caixa, a mesma que estava em suas mãos, e nesse movimento pegou uma borboleta de bexiga, e segurou-a com uam das mãos. Dali na caixa, tirava flautas, pandeiros, desenhos, e o personagem contava sua história de vida: do acidente que sofrera, do tempo que ficou no hospital, mas graças a um homem sem esperança, que continha em viver visitando pessoas e as ouvindo ou contando causos, ele percebera que a vida tem um valor delicioso, e ao mesmo tempo confuso, quando aprendemos a ser o que somos com meros desconhecidos.
Natal, para ele, focava em apenas presentear aqueles que vemos desde nosso nascimento, amigos que nos toleram; e para aqueles que não tem nada disso? Natal seria insignificante! E quantas vezes apenas um sorriso, um olhar, uma troca de ideia com alguém que nunca vira antes, parecia a sensação de sair do mar, após muito tempo dentro dele, recuperando aquele fôlego, uma segunda chance a vida, a renovação. Hoje, sua família tinha-se afastado, porém todo dia era um novo dia de pergunta que horas eram a alguém na fila, e elogiar o sorriso da pessoa. Se essa tivesse ainda a ingenuidade e a sabedoria de uma criança, agradeceria o elogio, e o dia seria diferente para essas duas pessoas.
Terminou de contar as histórias, já raiava uns feixes de luz.
Espero que gostaram crianças!
O brilho em seus olhares já encontrava diferentes, como um susto misturado com alegria.
- Gostamos, senhor...? Disse a criança número 1.
- Me chama apenas de moço.
- Ok, moço...Obrigado, por dar o trabalho de vir de madrugada, fazer este Natal diferente! Sei lá, foi mais divertido que do ano passado, não veio ninguém nos visitar!
Ele sorriu. Despedindo, por último entregou um Pão de Mel recheado a cada um, para que depois da sensação de alívio, nada como adoçar um pouco a vida. Se olharam, sorriram. O personagem fora embora. Atravessou o corredor, saiu pela recepção, naquelas vestimentas, e ao chegar na rua, jogou o chapéu no lixo, se benzeu, e foi embora.
- Espero ter feito algo de últil como seu presente de aniversário, meu senhor - exclamou de olhos fechados.
E foi embora, misturando aos milhares que já estavam acordados, em clima de Natal.