(mi autoria) - Baseado em uma notícia de jornal.
"É duro tanto ter que caminhar e dar muito mais do que receber" (Zé Ramalho)
Quando estava para nascer, os pais ainda tinham dúvidas em
que nome colocar. Maria? Ana? Qual será seu nome? Foram então atrás da bíblia,
de numerologias, de tudo qualquer coisa que mostrasse algum nome com energia
positiva.
Ficou Joaquina.
O nome Joaquina era engraçado. Quando se apresentava e
falava seu nome, as pessoas abriam sorrisos automaticamente, como se aquilo
trouxesse alguma alegria. Joaquina ficou conhecida assim: pessoa extrovertida,
alegre, de bem com a vida. A pessoa que todo mundo queria por perto, e Joaquina
ficava por perto.
Ela cresceu e continuou espalhando toda essa energia boa
para todos que passavam por sua vida. Joaquina recebia, raramente, alguma
energia do mesmo nível de volta. Às vezes recebia coisas boas, mas às vezes
não, e ela seguia em frente, espalhando a solidariedade por aí.
Um dia, Joaquina chegou em casa, depois de dois dias fora.
Sua roupa não estava tão alegre, tão colorida: era uma blusa preta abatida,
calça jeans, e um tênis preto, levemente sujo de terra.
O semblante de Joaquina estava mudado: o sorriso não tomava
conta naquele momento, e os olhos estavam inchados. No silêncio, subiu as
escadas quase arrastando suas pernas, deixou a bolsa no corredor do quarto, e
foi direto ao banheiro.
Por ali ficou por 3 minutos parada de frente ao Box. Logo se
movimentou, foi até o chuveiro, ligou a água na temperatura mais quente
possível, e, sem tirar uma peça de roupa, entrou de baixo daquela quentura.
A água quente caía sobre sua nuca, e Joaquina fechou os
olhos. Começou a cantarolar alguma canção de infância. Imagino que era
Escravos de Jó, canção que cantava em roda com a família. Depois da roupa estar
toda encharcada a ponto de pesar sobre o corpo, foi tirando peça por peça, e
deixando ali no canto do Box.
A felicidade que Joaquina tinha desde quando seu nome ‘engraçado’
foi dado não estava mais ali. A vibe boa, a compreensão, a felicidade tinham
ido embora. Na água, encontrará um refúgio, uma fuga, para junto dela cair as
lágrimas, sem que a casa e as paredes notassem a diferença.
Sobre o banquinho que se encontrava dentro do banheiro, a
resposta: Uma nota do jornal, bem pequena, anunciando um roubo com homicídio, que
acontecera dentro da casa de Joaquina, porém a pessoa assassinada fora seu
irmão. Apenas um tiro na nuca que o levou para longe. Para Joaquina, em sua
cabeça, o irmão sempre teve mais facilidade e menos cobrança na vida: quando
queria sorrir, sorria; quando não queria, chorava ou ficava irritado, e mesmo
assim, era amado por todos sem uma obrigação, diferente de Joaquina.
Como assim, Joaquina triste? Seu nome traz tanta alegria,
traz algo engraçado, me lembra daquelas cantigas de Festa de São João, que os
nomes inseridos nos personagens eram João, Maria, José, Joaquim, Francisca,
Joaquina!
De pequena foi posto um rótulo que não conseguiu tirar por
tantos anos, exatos trinta e quatro. E apenas naquela noite isso mudou, não
porque queria, mas o instinto foi mais forte.
Joaquina permaneceu naquela água quente por cinco horas. Do
breve alívio que a água trazia, começou a sentir mal, a pele já estava muito enrugada.
Daquela forma mesmo, com o corpo nu, resolveu deitar naquele chão gelado, e
teve um pequeno choque que a trouxe de volta a realidade.
Uns ganham, outros perdem, mas raros aqueles que têm a
capacidade de não viver com tantas máscaras.
Seu irmão enquanto vivo fora alguém sem máscaras, alguém
amado com seus defeitos e encrencas, mas amado. E Joaquina também o amou, como
todas as outras pessoas. Agora o mundo e sua sujeira tiraram isso dela, e
a única coisa que ela queria saber:
Aonde errei? Tentando sempre ser a melhor para mim e para os
outros, afastando ao máximo todos os defeitos, e de volta recebo a morte,
recebo a tirania, da pior forma possível.
Então adormeceu naquele chão, e acordou apenas com o
primeiro raiozinho de sol que entrava pela janela. Levantou do chão frio, tomou
outro banho morno, mas rápido. E voltou a rotina.
Mas Joaquina não era mais a Joaquina. Era uma Joaquina, uma
que ninguém deixava despertar, que a responsabilidade de um nome tão alegre não
deixava vir.
Era a mulher que perdera o irmão de forma trágica, e que ia
curar isso com seu tempo, sem pressa do mundo, porque ele pouco se fode pra
isso. O nome? Era apenas um nome, que serviu para assinar sua certidão de
nascimento, e a próxima vez seria apenas para assinar sua certidão de óbito.
Pela primeira vez, seu nome não era importante, mas seus
sentimentos eram.